É necessário que reconheçamos e que perpetuemos a contribuição do copista, historiador,
flautista, violoncelista e contrabaixista, maestro, musicólogo, intelectual e amigo Aluízio
José Viegas ao patrimônio histórico-musical
são-joanense,
mineiro e brasileiro! Diante da
grandeza do legado dele, o que vai aqui escrito é quase nada e valerá apenas como uma
singelíssima homenagem.
Ainda abalado com a morte que lhe ceifou, elaboro estas linhas
reportando-me
aos
conhecimentos advindos do terno convívio e amizade que mantive
durante anos com aquele que era meu consultor, e, também, buscando
auxílio nas
informações
contidas na página virtual do Museu da Música de Mariana, editada pelo
musicólogo dr. Paulo Castagna (um grande amigo e admirador da personalidade
homenageada neste texto).
Então, será desta forma que passarei a discorrer um pouco sobre
a vida e obra de Aluízio
José Viegas, nascido nesta mineira São João del-Rei no dia 26 de março de 1941,
sendo o
caçula de 12 irmãos criados numa família envolvida
com
as artes, cultura, política e
atividades sociais. Ainda muito pequeno, Aluízio era levado pelo pai às igrejas e festas
religiosas, onde acabava envolvido com os sons,
com
as músicas de coro e de orquestras
durante missas, novenas e procissões. Como morador da vizinhança das sedes da Orquestra
Ribeiro Bastos e Lira Sanjoanense, ele cresceu prestando
atenção nas aulas de iniciação
musical e nos ensaios de ambas.
Em 1953, começou a trabalhar numa farmácia, e, em 1960, atendendo ao convite do
maestro Pedro de Souza, ingressou
na Orquestra Lira Sanjoanense, onde se dedicou à
prática de orquestra em violoncelo. Posteriormente,
devotou-se à flauta e ao contrabaixo.
Em 1960, começou suas atividades no arquivo musical da Lira Sanjoanense, inicialmente
copiando partes das obras em uso. Em 1963, deu início à montagem de partituras de obras de Manoel Dias de Oliveira, Jerônimo de Souza Lobo, Padre João de Deus de Castro Lobo e Emerico Lobo de Mesquita. No final da década de 1950 e início da de 60, ao tomar
conhecimento de que descendentes/herdeiros do acervo particular de Japhet Maria da Conceição estavam a queimar músicas, acendendo
fogão a lenha com partituras,
com
grandes dificuldades financeiras conseguiu
adquirir algumas peças remanescentes e, desta forma, livrou preciosidades
d'um destino catastrófico. Foi nessa época que Aluízio
conseguiu salvar
uma partitura
manuscrita que
continha
o
autógrafo
de
Gioacchino
Rossini, peça que
até então
era
desconhecida e que depois descobriu-se tratar da "Messa Di
Gloria", uma relíquia de grande "pezzo" para a história da música ocidental. Desde o ano de 1963 ele colaborou com diversos pesquisadores e musicólogos, dentre eles Cleofe Person de Mattos, Padre Jaime Diniz Cavalcanti, Adhemar Nóbrega, Olivier Toni, Antônio Alexandre Bispo, Adhemar Campos Filho, Ernani Aguiar, Paulo Castagna... Integrou a equipe da pesquisa "O ciclo do ouro: o tempo e a música no barroco
católico", da PUC-RJ.
Apoiou fundamentalmente a Cleofe Persson de Mattos nas suas pesquisas em
Minas Gerais ajudar
na elaboração
da primeira listagem de obras musicais que deu origem ao "Acervo Curt Lange", no Museu da Inconfidência/Casa do Pilar, em Ouro Preto - MG; integrou a equipe que elaborou partituras de obras de música sacra mineira para a FUNARTE.
Desde 1978 que o mestre
Aluízio Viegas vinha proferindo palestras sobre a música mineira
e abordando
os mais diferentes aspectos da história e da cultura de São João del-Rei,
aprofundando-se sempre nos temas da música sacra mineira e brasileira, na história e
arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense e de outras entidades musicais da região e do país.
Conhecia como ninguém sobre
a vida e a obra do padre José Maria Xavier, dominava a
história
da música são-joanense (principalmente de 1717 a 1900), aprofundou-se no estudo
do barroco mineiro, na interpretação da linguagem dos sinos de São João del-Rei e de
outras plagas, na história e arquivos da Ordem Terceira
do Carmo
de São João del-Rei e na epopeia da construção da sua igreja, nas particularidades
do Teatro de Ópera no período colonial em São João del-Rei. Aluízio realizou a montagem e fez a revisão
de um
grande número de partituras, destacando-se entre grandes obras as "Matinas de Natal", "Matinas do Divino Espírito Santo" e "Matinas
de S. Vicente de Paulo"
de Castro Lobo, as "Matinas de Nossa Senhora do Carmo"
e os
"Responsórios Fúnebres"
de Padre José Maurício Nunes Garcia. Além do conhecimento da música brasileira antiga, ele era estudioso e conhecedor das artes plásticas brasileiras, tendo colaborado para a reedição da obra "Teatro Eclesiástico", do
frei Domingos do Rosário (Fundação Biblioteca Nacional, 2012). Aluízio foi um dos maiores responsáveis pela pesquisa e revitalização da música sacra mineira dos anos setecentos e oitocentos, hoje cantada e tocada semanalmente nas funções litúrgicas na mineira São João del-Rei e que se faz presente em todo o mundo
na forma de textos, concertos, gravações e páginas virtuais. É importante dizer que quando ele começou a dedicar-se
à música, a maior parte das tradições brasileiras relacionadas à música sacra haviam se perdido,
especialmente por
conta
do "Motu Proprio" (de
1903). Aluízio produziu dezenas
de partituras para uso musicológico e centenas
de cópias para
uso prático nas orquestras da cidade, participando ativamente da organização de livros e catálogos sobre a música sacra mineira, integrando
equipes de vários projetos musicológicos, publicando artigos, fazendo conferências e frequentando
a muitos eventos em todo o país, tornando-se bastante conhecido no Brasil e no exterior, especialmente em
Portugal.
Assim, com todos méritos de sua
larga experiência, Aluízio Viegas se tornou o mais antigo
representante
de uma tradição que remonta aos séculos XVIII e XIX, e mantinha vivo o
conhecimento em torno da música sacra dessa época, evidenciando a importância das fontes e dos arquivos musicais, prezando as cópias de partes e a montagem de partituras para execução, centenas das quais felizmente encontram-se em formato manuscrito
ou digital no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense. Ele foi o musicólogo que por mais tempo frequentou e/ou manteve colaboração profissional com o Museu da Música de Mariana (MG),
onde trabalhou em diversos projetos desde 1976, com destaque para o projeto Acervo da Música Brasileira (2001-2003).
Servidor
aposentado da UFSJ, Aluízio Viegas trabalhou por muitos anos na Paróquia do
Pilar, onde
foi
uma espécie de "braço direito"
do monsenhor Sebastião
Raimundo
de Paiva
(1928-2014).
Atuou com muita disposição e competência no âmbito do Museu de Arte
Sacra de São João del-Rei. Era sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico de São
João del-Rei, dirigiu e foi maestro da Orquestra Lira Sanjoanense e da Sociedade
de
Concertos Sinfônicos de São João del-Rei, além de atuar como pesquisador da Cúria
Nos últimos tempos, já com a saúde cardíaca um pouco abalada, a situação física de
Aluízio José Viegas foi se agravando; depois de ficar internado desde o dia 20 de abril
deste ano na UTI do Instituto Biocor de Nova Lima (Grande BH), acompanhado
diariamente pela sua esposa Niva Brighenti Viegas e pela filha Beatriz Brighenti Viegas,
Aluízio saiu desta vida aos 74 anos de idade, às 7 horas da manhã de 27 de julho de 2015.
O corpo dele chegou a São João del-Rei na tarde daquele dia e foi velado na sede da
Orquestra Lira Sanjoanense. Na manhã seguinte, às 10 horas, sob toques fúnebres dos
sinos, o féretro seguiu para a Missa de Requiem na Catedral do Pilar, onde ouvimos
músicas executadas conjuntamente e comoventemente pelas orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos, sob a regência de Modesto Fonseca. O sepultamento
foi
realizado em
seguida, no Cemitério da Ordem Terceira do Monte Carmelo.
Então, diante do que aqui foi sucintamente
relatado, o que teremos a fazer? Ainda que
postumamente, temos que agradecer
muito ao amigo e mestre Aluízio José Viegas! Apesar
de nos sentirmos
um tanto quanto órfãos
e de
a nossa missão estar bem mais pesada com a sua ausência, precisamos nos esforçar para impedir que os seus ensinamentos se apaguem.
Já sabemos que doravante os musicólogos não
terão facilidades
nas tarefas
de
prosseguirem com as pesquisas sem o auxílio e a liderança intelectual do finado maestro. E nós teremos a obrigação de nunca olvidar o nome dele, registrando sempre a herança que nos foi deixada como formidável
resultado de décadas das suas muitas e aprofundadas
pesquisas. "Requiescat in pace", Aluízio...
Texto do amigo José Antônio de Ávila Sacramento.